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Sentado no Metro de Lisboa

Sentado no Metro de Lisboa,
numa posição privilegiada,
vejo o mundo encapsulado em bancos e telemóveis.
Cada pessoa fechada na sua própria bolha,
desligada da vida real, do sol, do vento,
e ainda assim ligada aos outros
por ecrãs que brilham com histórias que nunca saberemos.

Ao fundo, alguém ri sozinho.
Mais adiante, alguém escreve
como se a vida dependesse daquela mensagem.
Olhos que se desviam quando cruzam o meu olhar.
Sempre a fugir. Sempre a evitar.

Porquê esta fuga?
Porquê fugir da nossa própria humanidade?
Que medo nos impede de olhar alguém nos olhos?
Medo de sermos vistos, expostos, julgados?
Medo de que um simples olhar crie uma ligação
que não sabemos sustentar?

Talvez o nosso maior medo seja sermos vistos
de verdade, tal como somos,
por alguém que nos olhe sem máscaras, sem filtros,
e que nos julgue apenas pelo que vê.
Mas por que havemos de temer isso
se ninguém conhece, de facto, o outro?

No meio destas bolhas fechadas,
existe uma beleza que quase ninguém nota.
Um raio de sol atravessa a janela,
faz dançar pó e memórias no ar.
Um reflexo de vida que passa despercebido.

O mundo apressa-se, corre, empurra-se,
e eu sigo perdido nos meus pensamentos,
com medo de tocar a humanidade do outro,
mesmo quando bastaria um olhar,
mesmo quando bastaria um simples sorriso.

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Há algo profundamente triste nisto.
Algo que dói sem sabermos.
Somos estranhos no mesmo espaço,
todos solitários juntos,
à deriva, tentando não nos sentirmos demasiado humanos.
Porque ser humano dói.
E, fugindo da dor, ignoramos a beleza que nos rodeia.

No limite, estamos todos na mesma carruagem do metro.
E ainda assim, mesmo nesta prisão de movimentos bruscos,
uma parte de nós continua a observar, a sentir,
a tentar compreender como nos tornámos tão bons
a passar pela vida sem tocar ninguém
nem sermos tocados.

Que triste.
Que triste mundo cheio de pessoas e vazio de emoções.
Que triste mundo, agarrado a ecrãs,
que se esquece de apreciar a vida.

Olho para a uma senhora sentada à minha frente.
Oito décadas de vida,
arranjo de flores impecável, maquilhagem delicada, olhar tranquilo.
As mãos tremem um pouco enquanto segura a mala.
Aposto que o seu companheiro já se foi,
e que, mesmo assim, continua a sair de casa todos os dias,
talvez apenas para se sentir parte do mundo,
ou para sentir que ainda tem mundo dentro dela.

E então, por um instante, os nossos olhos cruzam-se.
O olhar dela é doce, cansado, verdadeiro.
Ela esboça um sorriso.
Um sorriso tão simples, tão humano,
que levo comigo para o resto do dia…
talvez até para o resto da semana.

Por um momento, tudo deixa de ser tão triste.
E, só por um instante, sinto
que ainda há humanidade.

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rickyunic
rickyunic

Um projecto com mais de 20 anos, onde apresento e abordo assuntos que me interessam a cada momento da vida. Desde humor, a saúde, passando pela tecnologia, a sexualidade e a espiritualidade. Tudo é válido neste espaço. Conto consigo para passar um bom momento a dois.
Peace and Love.
Carpe diem.
Namastê.

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