O silêncio do corpo – Parte I: O vício e a ruptura
“Há corpos que se encontram para se reconhecerem no caos, não para se amarem.
Há amores que nascem do vício e morrem da memória.”
— Não disseste nada quando eu saí.
— E tu tinhas dito alguma coisa quando ficaste?
— Pensei que me ias parar.
— Pensei que ias ficar.
— Já não sei o que é amor ou costume.
— O costume é o corpo que não sabe desistir. O amor é quando ele desiste e ainda assim volta.
— Tens saudades minhas?
— Tenho. Mas não é de ti. É do que éramos quando ainda acreditávamos que isto tinha salvação.
— E se voltássemos ao início?
— O início morreu na primeira mentira.
— Então o que é que ainda estamos a fazer aqui?
— A tentar ver se o corpo se esquece antes da memória.
— E consegue?
— Às vezes. Mas nunca por muito tempo.
O corpo ainda não aprendeu a esquecer.
Continuará na Parte II – O Reencontro
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O silêncio do corpo – Parte II: O Reencontro
— Voltaste.
— Só para buscar o que deixei.
— E o que deixaste?
— Eu.
— Estás diferente.
— Estou só mais cansado.
— Cansado de mim?
— De nós. Deste ciclo de ir e voltar como se houvesse salvação.
— Pensava que tinhas aprendido a viver sem mim.
— Aprendi. Mas há noites em que o corpo lembra-se antes da cabeça.
— E agora?
— Agora fingimos que é só uma última vez.
— E acreditas nisso?
— Não. Mas deixa-me acreditar por esta noite.
O corpo ainda não aprendeu a esquecer.
Continuará na Parte III – A Madrugada Seguinte
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O silêncio do corpo – Parte III: A madrugada seguinte
— Não dormiste.
— Não consegui.
— Porquê?
— Porque quando fecho os olhos ainda estás a sair pela porta.
— Isso foi há meses.
— No tempo, sim. No corpo, não.
— Não era suposto doer mais.
— Então porquê é que ainda dói quando me tocas?
— Porque ainda há restos de nós.
— Restos não são amor. São vícios com memória.
— E agora?
— Agora espero que amanheça. Talvez com a luz isto pareça menos real.
— E se não parecer?
— Então aceito que há coisas que o dia não apaga.
O corpo ainda não aprendeu a esquecer.
Continuará na Parte IV – O Vazio
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O silêncio do corpo – Parte IV: O vazio
— Não disseste nada desde aquela noite.
— Não havia o que dizer.
— Pensei que fôssemos tentar de novo.
— Também eu. Mas às vezes o silêncio decide antes de nós.
— Então é o fim?
— Ainda não. Mas já não é o início.
O corpo ainda não aprendeu a esquecer.
Continuará na Parte V – O Fim
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O silêncio do corpo – Parte V: O Fim
— Vais embora.
— Sim.
— E não olhas para trás?
— Olhar seria mentir.
— Então é isto?
— É isto.
— Não posso fazer-te ficar?
— Não. Não é sobre querer. É sobre saber.
— Saber o quê?
— Que algumas coisas só existem enquanto se vão embora.
— E eu?
— Ficas como uma memória. Apenas isso.
— Uma memória…
— É suficiente para nos lembrar do que fomos, mesmo quando não podemos tocar.
— Adeus.
— Adeus.
O silêncio do corpo. E, no fim, o corpo ainda guarda cada toque, cada dor.