Há dores com as quais vivemos e que muitas vezes não temos coragem de falar delas… de enfrentá-las, de aceitá-las, de compreendê-las, porque, lá está, é a nossa mãe.
E a nossa mãe devia ser perfeita, não é verdade?
Crescemos a ouvir que a mãe é a melhor mãe do mundo. Que nos ama incondicionalmente. Que o amor de mãe é sagrado.
Mas essa ideia só é verdade enquanto somos pequenos, ingénuos, incapazes de ver o que está por detrás da máscara.
A verdade é que conviver com uma mãe narcisista e controladora é viver como um espelho onde o reflexo nunca corresponde à realidade.
Durante tantos e tantos anos, cresci a tentar compreender porque é que, sempre que algo corria mal, a culpa acabava em mim.
Quando eu precisava de falar sobre algum assunto, ela estava sempre cansada, ou “não era o momento certo”.
Nada do que eu fazia era suficiente.
E quando o amor que eu precisava vinha, vinha sempre com uma condição, uma chantagem disfarçada: “só te dou se…”.
Cresci a aprender que o amor é cobrado, e a um preço alto, porque se não fosses perfeito, não merecias amor.
E nem era amor, sequer. Porque quem nunca sentiu amor verdadeiro dentro de si, não sabe dá-lo.
A verdade é que, quando ela errava, nunca pedia desculpa. Escolhia antes o silêncio, aquele silêncio frio e cortante, capaz de ferir mais do que qualquer palavra.
E culpava-me de coisas das quais eu não tinha culpa alguma.
O sentimento de injustiça sempre me corroeu por dentro. Sempre odiei injustiças, e talvez por isso tenha sofrido tanto.
Ao longo dos meus 34 anos, tenho lidado com as sucessivas injustiças da minha mãe, e também com as de pessoas próximas que aprenderam os mesmos padrões manipuladores.
Ela não admite as suas falhas.
Não suporta ver-se ao espelho.
Prefere distorcer a realidade do que enfrentar o que fez, o que feriu, o que destruiu em mim.
Manipula, inverte, dramatiza. E faz isso com uma naturalidade assustadoramente fria.
No fim, a minha dor é exagero, histeria, drama, e ela, a eterna vítima.
Mas há algo ainda mais violento: a invasão constante da nossa privacidade.
Mexer nas nossas coisas, ler mensagens, abrir gavetas, controlar o que é nosso.
Nada é sagrado. Nada é respeitado. Nem a intimidade, nem os silêncios, nem os espaços.
Viver com alguém assim é sentir que nunca temos um lugar seguro, nem sequer dentro de casa.
É aprender a esconder o que sentimos, o que pensamos, o que somos, só para não ser usado contra nós mais tarde.
O pior de crescer com uma mãe destas é ver como consegue convencer os outros de que o problema sou eu.
Como manipula as histórias, altera as versões, e faz com que eu pareça o culpado de tudo o que ela própria criou.
É um jogo psicológico exaustivo, onde o amor se confunde com culpa para o resto da vida.
Sim, nós, filhos de pais narcisistas, vivemos carregados de uma culpa antiga, uma culpa que não sabemos de onde vem, mas que aprendemos a sentir como se fosse nossa.
Quem vive com um narcisista aprende que a verdade é o seu maior inimigo.
Eles não querem compreender, querem dominar.
Não procuram amar, procuram controlo absoluto, permanente, sufocante.
Com o tempo, percebi que estas batalhas não se vencem com argumentos.
Eles tornam-se imunes às palavras.
E aí, o único caminho é a distância.
Aprendi que precisava de sair cedo de casa para poder continuar a amá-la, porque continuar lá ia matar-me.
E percebi, com o tempo, que só com distância e com limites firmes poderia impedir que a manipulação me consumisse por dentro.
Hoje, através da terapia, percebo que proteger-me é um acto de amor-próprio e de sobrevivência.
Não é egoísmo, como ela tantas vezes me chama.
Às vezes sinto que vou fazendo o luto da mãe que conheci.
Porque já não a reconheço.
Por vezes há breves momentos de doçura, minutos em que parece que tudo podia ser diferente.
Mas depois tudo muda, de repente, abruptamente, sem razão aparente.
No fundo, sinto que a minha mãe tem medo de me amar. Medo de se mostrar vulnerável, medo de se abrir, medo de sentir.
Eu sei que ela me ama, à maneira dela, disso nunca duvidei.
Mas, para mim, não chega, é um amor contido, tóxico e invisível, porque é um amor que ela não deixa sair, é um amor que ela guarda a sete chaves dentro do peito, como se demonstrá-lo fosse sinal de fraqueza.
Muitos dias, talvez quase todos, ainda sinto a culpa antiga a tentar regressar.
Mas hoje recuso-me a entrar nesse jogo.
Recuso-me a alimentar alguém que, em vez de me ajudar a ser mais saudável, apenas destrói o que resta de paz.
A terapia ensinou-me que este padrão repete-se em muitos membros da família, todos presos no mesmo ciclo de controlo, culpa e ausência de afecto.
Mas chega uma altura em que temos de pôr fim ao padrão.
Temos de recusar continuar a história.
Temos de escolher a paz, mesmo que isso signifique o afastamento.
Acredito, hoje, que o amor que tanto procurámos nelas é o amor que precisamos aprender a dar a nós próprios.
Porque, quando aprendermos verdadeiramente a amar-nos, não aceitaremos mais que ninguém, muito menos alguém narcisista, nos diga quem somos.
Aos poucos, através de terapia, maior autoconhecimento e hipnose clínica, aprendi que o amor que não chega de fora pode nascer dentro de nós, e com ele vem a liberdade e a paz que não depende de ninguém.












