Dentro de mim existem cadáveres.
Meus.
São os meus próprios cadáveres.
Versões de mim que morreram uma a uma.
Morreu o miúdo que acreditava no abraço.
Morreu o que pedia e ninguém ouvia.
Morreu o que chorava (e engolia o choro).
Morreu o que ria, mas com medo de ser ouvido.
Morreu o que sonhava em ser visto.
Morreu aquele que esperou por amor… e ninguém chegou.
Morreu o que acreditou em promessas (tantas promessas).
Morreu o que se deixou levar pelo silêncio…
(pensando que assim sobreviveria).
Morreram todos.
Dentro de mim.
Empilhados.
Como corpos numa guerra silenciosa.
A criança que restou… arrasta-se com esse peso.
Com o peso de tantas crianças no peito.
(E o ar falta).
O silêncio aperta.
O corpo lembra.
O peito grita.
Há braços esticados debaixo da terra
à espera de um abraço.
Há olhos que me olham com ódio.
Todos eles me perguntam:
Porque os deixei morrer!?
Porque os matei em silêncio!?
E eu… ainda não sei responder.
Só sei que a criança que restou não cresceu.
Ficou parada no tempo, sentada numa pedra,
a ver o cemitério dentro de si.
Cansada.
Com mãos pequenas
a tapar buracos (com medo que o mundo visse aquela podridão).
Hoje o peito não aguenta mais.
As covas foram-se abrindo…
Os mortos querem voz.
E eu não sei se tenho força para os deixar sair.
Mas também já não consigo manter as portas fechadas.
Tenho muitas versões enterradas.
E cada uma delas ainda respira em mim.
Às vezes não sei qual delas respira a cada momento.
Porque uma respira com raiva,
outra com tristeza,
outra com desespero,
outra com medo que o mundo a esqueça de novo…
E, às vezes,
respiram todas ao mesmo tempo.
E quem se sente morto nesse momento sou eu.
Mas estes mortos têm uma história, e precisam ser entendidos.
Se quiseres conhecer a história por trás deste texto, como nasceu e o que significa cada parte, podes ver os bastidores aqui.
Link: https://rickyunic.com/bastidores-como-nasceu-os-cadaveres-que-vivem-dentro-de-mim/
