Quem irá se recordar de mim?
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Ouviu-se o som do metal a bater no chão. A sua mão não tinha mais forças para segurar a sua espada, pois toda a força que lhe restava era para se aguentar em pé, no meio daquele campo de ruínas e aflição. Ele conseguiu?
Olhou ao seu redor, atordoado… todos os inimigos foram derrotados e todos os seus aliados desaparecidos.
Não havia ninguém com quem celebrar a vitória. Restava apenas um homem. Sozinho, fraco, cansado e que antes era um prado florido e pacífico.
Ele lutou por tanto tempo, sozinho, que nem sabia o que tinha acontecido para chegar a este ponto.
Uma dor forte no peito tirou-o dos seus pensamentos… olhou para o peito ensanguentado e para o buraco na barriga que o lembrava de que ainda estava vivo. Pelo menos por enquanto. Ele olhou para o céu, sorrindo amargamente.
-Então este é o fim? É assim que termina?
O vento passou pelos seus cabelos.
“Serei lembrado?” – foi o pensamento que lhe passou pela cabeça. Um pensamento que o aterrorizava, com medo de ter morrido em vão, de não ter dado conta. Aterrorizado por ter morrido sozinho.
-Quem vai se lembrar de mim?
-Eu vou me lembrar! – respondeu uma voz alegre atrás dele
Ele virou-se apressado, sem acreditar no que acabara de ouvir. E viu-o. Os seus cabelos dourados, os seus olhos azuis como o céu que acordava, o seu vestido branco que pela sua pureza iluminava o campo de batalha… parece um anjo.
-Eu vou me lembrar… – disse o anjo com mais calma, sorrindo com ternura
-Tu… disse ele, enquanto se aproximava do anjo, com os olhos abertos
A suas forças falharam e ele começou a cair para a frente incapaz de segurar o seu peso. O anjo correu na sua direcção e segurou-o com ternura, apertando o seu braço em torno dele.
-Eu estou aqui… eu estou aqui… – disse o anjo
Ele pressionou o seu rosto no ombro do anjo, soluçando.
-Estás aqui… – disse ele
-Sempre estive. Sempre estive aqui.
-Eu fiz o meu melhor. Tu sabes. – disse ele
-Eu sei…
-Eu lutei até ao fim…
-Eu sei… – disse o anjo, sorrindo, com lágrimas nos olhos.
-Eu realmente tentei, mas… falhei. Com todo o mundo. – disse ele
O anjo afastou-o ligeiramente para olhá-lo directamente nos olhos, com as duas mãos no rosto.
-Não falhaste, meu amor. Tu conseguiste. Lutaste, nunca desististe e conseguiste! – disse o anjo
-Mentiroso! – gritou ele, assustando o anjo.
-Eu não protegi ninguém. Os meus amigos, a minha família, tu… eu não consegui proteger os nossos sonhos.
O anjo jogou-se nos braços dele.
-A culpa não é tua. Nunca foi. Fizeste o teu melhor, estou orgulhoso de ti. Deve ter sido tão difícil…
O anjo enxugou-lhe as lágrimas, e esticou o dedo mindinho.
-Prometemo-nos a nós mesmos para a vida e para a morte… não íamos quebrar a promessa… – disse o anjo
Ele esticou o dedo mindinho para entrelaçá-lo com o do anjo.
-Tu és um herói. Serás lembrado como um herói. Um homem que lutou pela esperança, pela justiça, pelo amor… – disse o anjo a chorar.
Ele sorri levemente e as suas forças começam a abandoná-lo.
-É assustador? Morrer?
-Hum, sabes, não é assim tão mau. Nós acostumamo-nos. – diz o anjo a sorrir suavemente, limpando as lágrimas.
-Estou com medo. Vais estar lá em cima?
-Claro que sim. Apenas estou a esperar por ti – disse o anjo.
Ele encostou-se a uma parede, desmaiando de cansaço e dor. O anjo levantou-se na sua frente, brilhando como um espectro de luz. A sua luz, que irradiava ao amanhecer, fundia-se com a do sol. Desapareceu como uma brisa suave.
“Deixo-vos o futuro, meus amigos”, pensando nos seus irmãos de armas. “Espero ter sido bom o suficiente”.
-Anjo… espera por mim. Estou a ir…
“As pessoas que cuidaram de mim, me protegeram, que me guiaram e me ensinaram… e até as que me amaram quando eu menos mereci.. Elas são as que vão se lembrar de mim.” – pensou ele, já a entrar no portal da luz.
O seu último suspiro aqueceu o ar. Um homem corajoso nunca morre sozinho. Ele fica no coração de todos aqueles a quem deu força para lutar, esperança para vencer e raiva para viver e continuar a lutar até ao fim.
Ele não foi esquecido. Foi lembrado como o homem que se sacrificou por aquilo em que acreditava, deixando este mundo com um sorriso reconfortante nos lábios.
Todo o mundo tem um limite. Em algum momento quebraremos. Mas é a família, os amigos e as memórias que nos mantêm unidos ao longo do caminho.
No final, não nos lembraremos das palavras dos nossos inimigos, mas do amor dos nossos mais chegados.
Nunca morreremos de verdade se houver alguém que se lembre de nós e do legado que deixámos.